Estes dias, li o livro O Vendedor de Sonhos. Basicamente, o livro é uma ficção disfarçada de auto-ajuda, ou uma auto-ajuda disfarçada de ficção – eu não saberia dizer, embora se fosse para chutar, diria que é o segundo. Basicamente, é a história de um personagem que tenta se suicidar, e encontra um homem que diz que vende sonhos, e o convida para acompanhá-lo na empreitada. É uma ficção, o que talvez tenha me motivado a ler até o fim do livro, ao invés daqueles livros que repetem diversas vezes “você é a pessoa mais importante da sua vida” e mais blá blás. Mas há alguns pontos muito positivos que eu gostaria de mencionar.

Primeiro, o personagem é bem identificável – talvez, porque o autor do livro é psicólogo, então ele não inventou personagem cheio de problemas sem explicações. Talvez, alguns personagens sejam estereotipados demais, talvez tenham menções demais a religião, talvez o autor tenha desejado dar a idéia de que ninguém é culpado pelos seus atos, são apenas vítimas de um sistema que engole a todos, mas em linhas gerais, é uma boa história. Porém, algo me chamou mais a atenção neste livro do que simplesmente a história ou a auto-ajuda (que eu, particularmente, não suporto, mas tudo bem):

Lições.

Apesar de ser uma auto-ajuda disfarçada, o livro se comporta como se fosse uma grande lição. Propositalmente, ele apresenta o problema da sociedade como sendo maior do que é, numa situação em que as pessoas sequer se aguentam vivas, num futuro (que talvez não esteja tão distante) em que as pessoas mais se suicidam do que se matam, e estão desesperadas por uma lição de vida que mude tudo. Parece familiar? Porém, essa lição (como o personagem principal viria a descobrir) não é tão simples como parece. Parece simples dizer para alguém: “você precisa se abrir mais para as pessoas, desistir deste preconceito”, mas o próprio personagem se vê numas situações ridículas de preconceito-quase perde a chance de estar perto de alguém que ele muito admira, por puro preconceito. E não, não é preconceito racial ou de classe social. Mais do que isso, só lendo.

Quantas vezes fizemos isso? Nem que seja uma coisa imbecil, do tipo “nossa, aquela pessoa é bonita demais para mim, ela não vai querer ficar comigo”? Imbecil, sim, porque eu mesmo tive essa idiotice ha algum tempo atrás e quase perdi a chance de conhecer uma pessoa que viria a mudar a minha vida inteira para muito melhor. O sistema engole a todos? Talvez. Mas quantas vezes eu, ou qualquer pessoa, não ouviu algo do tipo “você precisa fazer X, senão você nunca vai conseguir emprego”? Quantos cursos diferentes de “como se portar numa entrevista”, ou “como agradar seu chefe” nós vemos por aí? Porque “O Aprendiz” é um programa tão cultuado? Às vezes, quando eu comento que não quero ficar milionário, apenas ter uma vida agradável num emprego amigável de preferência numa pequena empresa, parece que eu acabei de falar que vim de marte escravizar a raça humana, tal a descrença que vejo. Quando falo que não gosto de Java porque a linguagem me estressa, e não quero trabalhar com isso mesmo que isso exclua 80% das empresas, até quem sequer é da área me condena.

E tudo isso para quê? Uma crise de stress no fim de semana? Não ter um momento de paz, porque a todo momento seu celular está tocando? Ter que pensar “putz, que droga, é segunda-feira, lá vou eu aguentar aquele emprego do cão”? Dinheiro, poder, fama, ter a boca cheia de falar “eu trabalho na mega-corporação X”, vale isso?

Aonde o livro ganha é que em nenhum momento ele diz o que temos que fazer. Propositalmente, o livro é exagerado, a ponto de ninguém em sã consciência querer seguir os passos do “vendedor de sonhos”. Você pode ler, esquecer o livro e pensar “é, uma boa história (ou não)”, ou você pode querer dar uns passos na sua vida, para longe da sociedade estressante consumista e materialista e para perto da sua vida pessoal, das pessoas que gostamos e com quem convivemos. Mas o livro não lhe diz que é isso que você deve fazer, até porque ele é uma ficção. Portanto, é de cada um.

Claro que há pontos que eu discordo absurdamente. O livro trata os seres humanos como “grandes vítimas”, e eu acho com todas as minhas forças que cada um tem plena responsabilidade dos seus atos. Até mesmo aquele cara que passa por cima de todos porque o pai dele era autoritário e a mãe era submissa, e que apanhava de todos os amigos e era humilhado na frente de todos, apenas para chegar em casa e levar uma bronca “por ser tão frouxo” tinha a opção de ser diferente. Se a pessoa não tem consciência de seus atos, bom, ela deveria ter, então mais uma vez ela é culpada por não ter desenvolvido essa consciência. Além disso, não concordo com tanta passividade.

E principalmente, não acredito em heróis. Acho que a época deles já passou, Gandhi, por exemplo, foi um grande herói, mas passou, já era! Para mim, é hora de todos acordarem e se tocarem que ninguém lutará mais por eles, que se algo tiver que mudar, terá que vir do grupo insatisfeito o movimento de mudança. Mas, infelizmente, parece-me que cada vez mais as pessoas querem heróis – um “vendedor de sonhos”, uma “Dilma”, um “Lula”, um “Serra”, um “Obama”… acredito que é hora de cada pessoa mudar a si mesmo, e então tentar mudar seu ambiente, e se tudo falhar… bom, mudar de ambiente.

Mas afinal, o que isso tem a ver com um blog técnico? Particularmente, eu não acredito que seja possível separar a criação do criador. O blog é escrito, antes de mais nada, por uma pessoa (e os códigos que esse blog oferece, também). Então, acho legal apresentar um pouco das minhas opiniões pessoais. Mesmo porque, cada código que cada um faz está lotado de aspectos que definem a personalidade de seu escritor. Além disso, uma boa parcela de nossas vidas (a minha, pelo menos) é vivida fora do código-fonte, fora da internet, fora do trabalho. É bom saber, mesmo, o que fazer com essa parcela.

Para terminar, deixo uma frase que teoricamente teria sido dita por Confúcio, quando lhe perguntaram as coisas que mais o surpreendiam na humanidade. Ele disse que “as pessoas gastam a saúde juntando dinheiro, depois gastam dinheiro para tentar recuperá-la. Vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se não tivessem vivido”.


1 Comment

Ana Dias · 2010-09-14 at 15:24

Concordo com essa visão, pois quando falo que quero trabalhar em um pequeno escritório de contabilidade perto de casa por seis horas diárias, apenas para aplicar meus conhecimentos contábeis adquiridos com a faculdade que cursei, sem stress, sem grandes expectativas, apenas colocar em prática o que aprendi e continuar aprendendo com o dia a dia, sem correria, sem trânsito, sem desgaste, sem grandes salários, grandes preocupações. Quero ter uma vida com qualidade e ter apenas o suficiente.
As pessoas costumam não reagir bem a esse meu modo de pensar, mas não ligo o que importa é você se sentir bem e não prejudicar ninguém, o resto é resto.

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