Bom, para os que não sabem, eu deixei um cargo público, estatutário, numa universidade federal. Na verdade, pedi um afastamento, mas gostaria de não voltar para lá e conseguir guiar minha vida de outras formas. O motivo é muito parecido com outros que já vi, mas acho legal contar um pouco da história também.

Quando se usa o termo “a máquina do governo”, acredito sinceramente que o termo é bem apropriado. Quando se fala a palavra “máquina”, eu pelo menos imagino aquelas máquinas antigas, totalmente mecânicas, que fazem um barulho absurdo e soltam fumaça e cheiros enquanto funcionam. O engraçado dessas máquinas antigas é que, mesmo com essas características peculiares, digamos assim, elas funcionam. Claro, comparando com modelos mais modernos, elas são BEM piores, são mais lentas, tem BEM menos recursos, mas com essas máquinas antigas, mesmo acumulando um pouco de ferrugem aqui, ou arrebentando uma correia ali, elas continuam funcionando como se nada tivesse acontecido. Detalhe que essas máquinas antigas gastam mais de energia, combustível, etc, e isso também é uma metáfora apropriada…

Assim é o governo. Pior ainda, há uma completa resistência em adotar coisas mais modernas, em mudar algo que funciona mal, mas que está em produção há anos, ou de arriscar algo novo: desde linguagens até frameworks diferentes.

E isso não é a pior parte.

A pior parte, na verdade, está na hipocrisia. Há vários programas de incentivo à qualificação, e inclusive fazem parte do plano de carreira. Agora, como promover esses cursos de “reciclagem” (aliás, sempre odiei esse termo: parece que nos comparam a um lixo) quando o próprio cargo lhe estimula a fazer SEMPRE a mesma coisa? O que acontece, na prática, é que funcionários fazem cursos online MUITO ruins, de assuntos que eles já conhecem, só pra ganhar a progressão (afinal, ser autodidata também não conta nada). Além disso, há a tal “progressão por mérito”, que na pratica significa: “se o seu chefe foi com sua cara, se você foi bem avaliado (existem pessoas que preenchem a avaliação com todas as notas iguais, afinal não é ele quem está sendo avaliado mesmo), se seu trabalho está alinhado com a vontade pessoal de seu chefe e, em alguns cargos, se você passar numa prova, bom, aí você progride na carreira”.

Mérito e prova?

Outra coisa, nessas progressões não há nenhuma avaliação do que você fez no passado. Implantou um super-sistema que reduziu a carga de trabalho de toda a universidade em 80%? Legal, bom pra você. Se seu chefe acha que o sistema não tá legal, e ele não precisa justificar o motivo, nada de mérito. Tudo o que acontece é política, então às vezes acontece de alguém ter interesse em determinado sistema que está sendo desenvolvido. Em linhas gerais, isso significa que se essa pessoa tiver influência, o desenvolvimento do sistema é cancelado, para mais tarde começar o desenvolvimento de OUTRO sistema, igual ao que se estava sendo feito… enfim.

Eu fiquei em meu emprego por cinco anos. Fundei o setor de desenvolvimento, ajudei a montar a universidade. Aprendi muito, a ponto de mudar a forma como eu programava, de mudar certos conceitos. Liderar uma equipe é algo fantástico, liderar uma divisão, dentro de um setor, é algo incrível. Fui chutado do cargo por motivos políticos (eu me recusava a abandonar todos os sistemas para migrar para outra linguagem) e, com o tempo, só fui vendo pioras. Acho que a gota d’água foi quando a divisão foi auditada, e “estava tudo bem”. Projetos que atrasavam, no mínimo, um mês e meio e sistemas feitos separados e de qualquer jeito, quando deveriam ser integrados estavam “tudo bem”. Um ano atrás, quando os projetos saíam todos no prazo, sem nenhum atraso, foi ignorado porque programávamos em Ruby. Em Java, que é a linguagem que todos querem, qualquer problema é sutilmente ignorado, e qualquer case de sucesso anterior é sutilmente ignorado. Coisas de política.

Há muitas coisas boas. Quando você pega um gestor bom, que te dá liberdade e é “menos político”, a liberdade que se tem é bem maior do que em outros empregos que fui. Também, se você quiser fazer as coisas do jeito certo, e o gestor lhe dá liberdade, você tem a possibilidade de segurar prazos e releases para treinar uma equipe, também a possibilidade de participar em congressos é alta, inclusive estimulada. Também, como os softwares desenvolvidos numa universidade federal são, por definição, de domínio público é mais tranquilo fazer apresentações e palestras sobre o trabalho, para pessoas (como eu) que gostam de fazer isso. Pode ser uma satisfação pessoal, e de fato foi por algum tempo.

Porém, há certos limites, também. Fiquei bastante tempo lá também por idealismo: querer trabalhar numa universidade federal, uma entidade sem fins lucrativos, sabendo que meu trabalho beneficiaria pessoas que pagam impostos, não o bolso de alguém. Porém, uma hora o idealismo acaba: especialmente quando você vê que seu trabalho será descartado e tornado inútil em pouco tempo. Isso é ainda mais evidente quando ninguém luta contra o descarte do trabalho.

Futuro é uma icógnita ainda. Não é como se uma empresa fosse a entidade boazinha e o governo fosse a crueldade, na verdade sente-se que um é o reflexo do outro. Por enquanto, ainda estou na busca.


3 Comments

Kássio Borges de Melo · 2011-05-12 at 14:19

Parabéns, também trabalho em uma universidade federal, porém não como Servidor Publico mas como terceirizado, e sei exatamente dos seus ‘sofrimentos’, a política é o pior fator de todos ao se trabalhar em um orgão Público.

Mais uma vez parabéns pela sua decisão.

Thiago Vieira · 2011-05-18 at 21:28

Você achou a palavra que resume bem a história toda: hipocrisia.

Mas é isso aí, Maurício. Bola pra frente. Temos que ter coragem (como você teve) e seguir em frente, sempre buscando pautar nossos atos de coerência e sinceridade.

Infelizmente, não vejo tantas pessoas como você.

Parabéns!

Talita · 2011-06-07 at 16:40

Eu ainda tenho fé de conseguir otimizar, mesmo que só um pouquinho, a máquina pública. Mas eu tenho apenas um ano e meio aqui…
Vejamos se dessa vez eu ganho um I told you so xD

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